terça-feira, 6 de outubro de 2009

Pesadelo

Essa noite tive um sonho. A bem da verdade, um pesadelo. Horrível. Acordei angustiada, depois fiquei pensando na mensagem que meu inconsciente estava me mandando...

No sonho, alguém deixava o portãozinho lateral aberto e com isso meu cachorro Fragmer, de sete meses, escapava pulando o portão da frente e saindo em disparada.
A rua tinha sido escavada para uma obra e a chuva fez com que ela se parecesse o leito de um rio, com pedras grandes e pequenas, água escorrendo, lama e areia. Fragmer começava a cavar no barro, uns trinta metros adiante. Corri até ele, que escapou metendo-se por um buraco sob uma imensa laje de granito, por onde a água também se enfiava levemente encachoeirada. Era uma laje de mais de dois metros de comprimento e ele sumiu ali debaixo.

Desesperada, enfiei o braço naquele buraco tentando inutilmente alcançá-lo. Fui até a outra extremidade da pedra, onde, sob a água, descobri um pequeno buraco onde pude sentir o focinho do cachorro que, ao perceber minha mão, começou a me lamber.
Por aquele buraco tão pequeno ele não poderia sair. Com aquela torrente, certamente se afogaria em pouquíssimo tempo. Sabendo ser quase impossível fazê-lo virar-se em direção à entrada do buraco, acordei. 

A sensação horrível me acompanha até agora. Lágrimas enchem meus olhos e vou lá fora correndo abraçar meu amado cachorrinho recebendo de volta muitas lambidas, mordidas carinhosas e estabanadas, deliciosas.

Quantas vezes deixamos escapar e morrer nossos sentimentos mais puros, representados por este cãozinho tão amigo, inocente e fiel.

Às vezes nos submetemos a forças que nos imobilizam como sob o peso de uma laje de granito, por onde um fiozinho de vida ainda se agita e que, se não fizermos um esforço imenso e urgente, veremos se extinguir em agonia e desespero, sem saída, sem escapatória.

Às vezes é um casamento, um trabalho, um relacionamento. Se não acordarmos do pesadelo, sufocamos.

A força da vida é imensa. O instinto de sobrevivência é mais forte do que tudo e não devemos sufocar nossos sentimentos mais puros e inocentes em nome - do que mesmo?

Não há casamento, trabalho, nada que tenha o direito de nos subjugar, de nos maltratar e destruir.

A vida é rara e bela por demais, maravilhosa, única e especial.

A criança que fomos tem o direito de brincar para sempre no jardim de nossos sonhos, no quintal de nossa alma. Nada, nem ninguém, tem o direito de nos privar de nossa alegria e nos atormentar com sua ira, sua incompetência, sua inveja, ou seja lá o que for!

Novembro de 2004.

Dia a dia

Com o ferro quente nas mãos
aliso as marcas de tuas mentiras
na seda do dia a dia

Vou passando a limpo os desencontros,
tirando rugas que, inevitáveis,
tornarão a aparecer depois da próxima lavada

O aspirador engole meus gritos
 junto com as migalhas do que sempre resta

O longo duto da lixeira
 leva em suas entranhas  o que sobrou, azedo.

A máquina de lavar chacoalha idéias fixas

Na geladeira congelo ilusões

E no fogão a alquimia se restaura,
temperada com o sal das lágrimas
 e a doçura dos olhares que te lancei

A faina que me desgasta, dia após dia,
Não  rouba de mim a menina que nunca deixei de ser.

Amor rebelde que a cangalha cotidiana não dilacera,
Fêmea ardente  que a louça suja não encobre
E o sonho...
O sonho...
Hoje um trem te levou pra longe
daquela mesma praça onde ontem
a loucura se misturou com minhas fantasias.
(Pra disfarçar, tomei um sorvete,
dei umas risadas, sem graça, fui embora)

hoje te deixei escapar,
escorregando pelas mãos.
Um abraço que se desmanchou
querendo ficar.
Quis te segurar, não te deixar ir...


tu me deixaste escapar também
e a noite te engoliu.
te levou o trem,
pelas entranhas da terra.

Fiquei só, com meu desejo



- * -


escrevo poemas
e queria que fossem pássaros,
pra que no momento mesmo em que os faço
eles pudessem chegar em tuas mãos.

Que eles chegassem em bandos,
em revoada,
fazendo alarido
como as andorinhas de Macapá

Uma chuva de pássaros-poemas
Pousando suavemente
Ao teu redor

Minhas palavras sussurradas
Aos quatro ventos,
Desejos desfraldados
Como bandeirolas nos mastros da praça


Assim enredado nessa trama
de sonhos e desejos
Tu dormirias enroscado,
Acordando tu também enamorado,
Sem nada compreender,
no meio de coloridas bandeirinhas
que se tornariam pássaros
Abrindo a manhã
Tecida com minhas palavras


- * -

Agora é tarde!
Acordarás amanhã com meu poema!

Gravado numa fria caixa postal,
Terá passado a noite
como nas areias de um deserto.
Ao ouvi-lo,
Talvez te assustes.

e te surpreendas com minha ousadia.
É que meu peito não tem jeito pra ser gaiola
(Não suporto poema enjaulado).
apague correndo a mensagem
pra que ele voe
e seja como a sensação da lembrança de um arco íris depois da chuva.
Tome um banho e não lembre mais de nada!

Maio de 2002